De uma forma brusca, fomos mandados para casa. De um momento para o outro, a vida mudou, as rotinas foram alteradas, a forma de nos relacionarmos uns com os outros deixou de ser o que era. Vimo-nos confrontados com algo nunca vivido, em termos colectivos, pela humanidade.
O impacto deste acontecimento único faz-se sentir em todas as áreas da nossa vida e percebemos que muito do que considerávamos como sendo seguro, de repente deixou de o ser. Não é só do vírus que temos medo, temos medo uns dos outros. As famílias separadas, os encontros entre amigos em stand by. Passámos a olhar com desconfiança e, por vezes, desprezo, quem não segue as regras impostas de distanciamento social.
Uma das coisas que ficou visível foi o quão facilmente nos adaptámos a tudo isto. Nós, que tantas vezes resistimos à mudança, rapidamente percebemos que ou agimos em prol do bem de todos ou as consequências poderão ser bem mais penalizadoras.
As estruturas sobre as quais estão assentes a nossa cultura, o nosso modo de viver e estar em sociedade, há muito que vêm dando sinais de caducidade. Estruturas cristalizadas limitam o potencial para que a mudança ocorra de modo flexível. Se nos mantivermos fixados nos velhos paradigmas, permaneceremos fechados à mudança, lamentando o passado sem criarmos soluções para o futuro. Desde 2008 que vemos indicadores de que algo tem de mudar, mas mudar para onde, de que maneira?
A proposta foi voltarmo-nos para dentro, regressarmos conscientemente à micro-estrutura que é cada um de nós. Temos tido a possibilidade de perceber o grau de fragilidade que temos, as dependências que fomos criando, a falta de preparação mental e emocional para conviver com o isolamento e o confinamento, a necessidade de apoiar os que nos estão mais próximos. Tivemos de aceitar que muito do que queríamos fazer, incluindo a última despedida, não foi muitas vezes possível.
Precisamos reaprender a reparar naquilo que funciona bem, tratando de o conservar, ao mesmo tempo que não podemos ignorar o mal-estar, as tensões nos relacionamentos, a eventual saturação do convívio 24h sobre 24h. Não temos podido delegar nos outros o cuidado das nossas casas nem dos nossos filhos e, a bem da sanidade mental, tratamos de encontrar e desenvolver as competências necessárias para resistir a esta crise.
No meio da gestão das particularidades do dia-a-dia, ainda assim uns têm tido a possibilidade de dar resposta à actividade profissional, enquanto que outros se veem confrontados com a redução mais ou menos substancial dos seus rendimentos. Outros ainda, veem o desaparecimento dos seus postos de trabalho. E tudo isto, em casa. Sem poder sair em busca de opções.
Darwin disse “Não é nem a espécie mais forte nem a mais inteligente que sobrevive, mas aquela que mais facilmente se souber adaptar à mudança”. Enquanto sociedade, somos a agregação de todos os pequenos microcosmos. Precisamos estar cientes da nossa interdependência, de que somos parte de um sistema, que as causas geram consequências e, recordando o velho ditado, que somos tão fortes quanto o mais frágil dos nossos elementos.
Então, que visão temos daquilo que queremos que seja o futuro? A resposta será dada pela qualidade da mudança que se operar dentro de cada um de nós. E, porque tudo está interligado, quando um de nós muda, o seu mundinho muda e, por sua vez, o mundo muda também.
Já são visíveis novas propostas sobre a forma como muitos poderemos vir a trabalhar. Se, até há uns poucos meses atrás, trabalhar a partir de casa era uma excepção, agora esta possibilidade será uma realidade que se irá impor. Teremos de ser capazes de dar novas respostas às eternas necessidades do ser humano – prover o seu sustento, abrigo e desejo por ir mais além. Teremos também de nos confrontar com o modo como queremos passar a interagir, garantindo a segurança, mas também a liberdade de sermos quem somos.
O regresso que nos é proposto não se limita a um regresso à vida pessoal ou profissional que tínhamos. É muito mais do que isso, vai muito para além disso. E tudo isto nos foi trazido por um vírus…
Revista Progredir nº 101
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